sexta-feira, 24 de junho de 2011

Direitos e deveres

Para Martha Medeiros

Existe um mito no Brasil: o de que os guerrilheiros de esquerda lutavam contra a ditadura. Nunca lutaram contra a ditadura; lutaram contra o regime. Se tivessem vencido, implantariam outra ditadura. Até porque seria impossível que implantassem um regime democrático, mesmo que quisessem: quem vence pela força precisa se manter pela força, e a democracia, para se consolidar, tem de prescindir da força. A democracia é macia. A democracia se solidifica lentamente, através de seu próprio processo de uso. A democracia, ao se formar, educa e, educando, se forma. O Brasil carece também desse tipo de educação cívica, não apenas da educação formal.

Dias atrás, a Martha Medeiros manifestou aqui mesmo, neste espaço, nesta página, a sua perplexidade ao esbarrar na notícia de que médicos e cientistas tinham sido flagrados em corrupção. Martha se disse desiludida: então até as pessoas de alto nível de educação formal são suscetíveis à corrupção? É que só a educação formal não basta, Martha. O brasileiro precisa conviver mais com a democracia para entender como ela funciona.

O brasileiro aprendeu que pode se manifestar e exigir seus direitos, mas não aprendeu que há regras para fazer as manifestações. Um pleito justo não confere a ninguém licença para fechar ruas, bloquear estradas, invadir prédios públicos ou depredar ônibus. É contra a lei, mas, para o brasileiro, a lei está fora dele e acima dele, a lei não vem dele.

O brasileiro aprendeu que existe liberdade de pensamento, mas, quando alguém defende um pensamento contrário ao seu, ele não ataca o argumento; ataca quem argumentou. Quem escreve em jornal ou emite sua opinião em rádio e TV é vítima diária desse tipo de exercício autoritário. A Martha sabe disso: os leitores, se não concordam com algo que ela escreveu, não falam do que ela escreveu: falam DELA.

A seiva antidemocrática que corre nas artérias do brasileiro é tão densa, que, nesses casos, a justificativa de quem agride o colunista ou o comentarista é a mesma que embasa todas as censuras que um dia foram instauradas no mundo: “Você é um formador de opinião; logo, tem de ter cuidado quando a emite”. O que quer dizer isso? Que a opinião tem de ser controlada. Tem de passar por uma triagem de, digamos, “bom senso”. Mas de quem é esse bom senso? Quem fará o controle? Quem dirá que opinião é boa e que opinião é ruim?

O brasileiro assimilou só um lado da democracia. O lado que lhe interessa. O da defesa dos seus direitos, da sua opinião e das suas prerrogativas. Para o brasileiro, o Estado existe para servi-lo. É por isso que o esporte nacional, no Brasil, é a crítica aos “políticos”. Os políticos são ladrões, os políticos são corruptos, os políticos só pensam em seus interesses. Na verdade, trata-se de uma autocrítica. Os políticos saem dos intestinos do povo e representam o povo. Mais: os políticos, como a lei, não estão acima do povo: os políticos SÃO o povo. Nós somos ladrões, corruptos e autoritários, Martha. Será preciso mais de uma geração para aprender a ser diferente.


David Coimbra


Zero Hora 24/06/2011


Concordo com as palavras do David Coimbra. Temos a mania de criticar os políticos mas muitas vezes votamos nos mesmos candidatos que em outros mandatos, pouca coisa fizeram pelo seu povo ou ainda pior, damos nosso precioso voto para acusados de corrupção, desvio de verbas, envolvidos em crims, denunciados por faltar ao "trabalho" não comparecendo às votações e mais uma série de atitudes consideradas incompatíveis com as funções públicas.


Além disso, creio que o jornalista deve sim, manifestar a sua opinião e não ficar em cima do muro somente para agradar a uma grande parte dos leitores. Eu admiro muito mais aquele colunista que expressa o que sente, mesmo que não concorde com ele, do que aquele "bonzinho-politicamente correto" que sabemos estar a serviço da empresa e teme perder leitores.


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